Foto: EVANDER PORTILHO

 

Aprendi nas aulas de psicologia que buscamos complementariedade e estabilidade nos relacionamentos. E eis que, dado que a vida muda o tempo todo e muitas vezes sou eu que tomo a frente em muitas mudanças fiquei me questionando…se nós mudamos o tempo todo, como podemos querer estabilidade? Então fiquei imaginando uma dança, na qual a complementariedade se dá na interação do casal, naquele balanço sincronizado, no descompasso, nos momentos de pausa, momentos em que um direciona o olhar para que o outro brilhe e algumas vezes cada um segue uma direção, no seu próprio ritmo, com seu próprio estilo, para que depois, embalados pela melodia, aquilo que parecia desconectado se estabilize, no balançar, no movimento.

Essa busca de complementariedade e estabilidade extrapola a vida íntima de um casal. Queremos também que isso aconteça nas organizações, que elas estejam lá da mesma forma que registramos em uma fotografia em nossas recordações. De novo me vem a mente que a perspectiva temporal é quase eliminada deste processo e muitas vezes sou surpreendida por ouvir “nossa, mudou de novo”. E ai gosto de acelerar as fotos que tiramos e registramos em nossa memória e ver sob a perspectiva de um filme que passa, onde cada quadro que aquelas fotos compõem contam uma história, que se movimenta, que tem som, cor, que emociona, que faz rir e faz chorar. E é neste momento, da perspectiva que o tempo é o grande protagonista na nossa busca por completude e estabilidade que buscamos novas pessoas, novos lugares, novos desafios.

Então, por que ainda sofremos tanto com algo que é tão natural e certo em nossas vidas? Porque desejamos que não haja música, que as fotos fiquem amareladas nos porta retratos e as organizações sejam lugares previsíveis e sem cor? Porque acreditamos tanto que somente naquele momento que passou, que congelamos em nossa memória é que se encontra a verdade absoluta que complementa e estabiliza? Por que não acessamos esse lugar como quando dançamos ou assistimos a um filme? Porque não deixamos que a música nos leve, que o outro nos conduza e nos deixe e que talvez queiramos dançar sozinhos de vez em quando? Porque não nos permitirmos entrar naquela história sabendo que ela terá um começo, um meio e um fim? Por que queremos eternizar e solidificar algo se não temos nenhuma referência no planeta que a vida esteve inalterada? Por que então buscamos isso das relações e das organizações que atuamos?

Talvez seja porque tenhamos esquecido como é dançar a dois, como é sentir o medo que o outro sente, a alegria, o respirar. Que é preciso ler com todos os seus sentidos o que o outro quer dizer naquele movimento, naquele vai e vem. E não, não precisamos saber a coreografia, a sequência dos passos, precisamos apenas ouvir a música e sentir e permitir se conectar com o outro. Da mesma forma, acho que paramos de ouvir as histórias, que deixamos de nos envolver pelo enredo, pela emoção, pelo elemento surpresa. Não ouvimos mais as histórias porque estamos tão preocupados com o resultado, com a meta, com atingir o objetivo que esquecemos que a beleza está no caminhar, no espaço criado daquele cafezinho, no intervalo entre reuniões, do almoço no refeitório, do olhar que apoia e das risadas no corredor. Esquecemos de novo que as relações só podem ser complementares e estáveis na perspectiva do tempo, das pequenas coisas do dia a dia, no bom dia, na mensagem, no lembrei de você, no perguntar verdadeiramente interessado e em todas as coisas que não controlamos, que não cristalizamos, que não deixamos amarelar no porta retrato, mas sim na dança da vida, no vai e vem, na ebulição de sentimentos que tem espaço para existir.

Então, para todas as mudanças da vida, que tenhamos música e movimento que possa ser sentido e registrado como um filme, para que não percamos nunca a perspectiva que as histórias precisam de tempo para acontecer e que todas tem começo, meio e fim! E que pode sim existir outras histórias com personagens novos ou que podemos também aprender a dançar outros ritmos com as mesmas pessoas, porque se nós mudamos o tempo todo, o outro e as organizações também mudam, nós só precisamos aprender a ouvir e sentir e se permitir dançar no ritmo que tocar no coração de cada um. 😊

 

Paula Foroni tem pesquisado e reaprendido todos os dias com líderes, times e organizações. Facilitadora em projetos de transformação organizacional. Eterna aluna, hoje está sentada na cadeira do doutorado em Gestão de Pessoas pela Universidade de São Paulo para fazer muitas perguntas e, quem sabe, descobrir novos caminhos. 😊