FOTO: Evander Portilho

              Existe um processo lindo de transformação que acontece em cada um de nós todos os dias. E não tem como negar que depois de mais de um ano de pandemia, tudo que estava ali como possibilidade foi potencializado e, ouso dizer, colocado para fora, resolvido, transmutado. Afinal, ficar trancado em si mesmo faz com que qualquer um queira sair gritando da Caverna de Platão sem medo nenhum mais das sombras lá de fora. Porque a psicologia diz que o que está fora, está dentro. Aquilo que me incomoda muito no outro, como um espelho eu projeto ou realmente me vejo e não gosto nada daquela imagem.

               E por aqui não tem sido diferente. Tiramos as máscaras, os uniformes e fomos convidados a revisitar a nossa essência, no caso a minha. E eu que escolhi como profissão apoiar a transformação das pessoas e das organizações percebi que o meu espelho não refletia mais aquela imagem que eu me identificava. Na linguagem dos negócios, os meus valores não cabiam mais na minha identidade. E foi nesse choque, de quem sou eu, porque eu faço o que eu faço que venho mudando, transmutando ou me (re)posicionando. Na verdade, como todos nós, e como aprendi com um dos gêmeos da Martins Cardoso,  tenho evoluído, me transformado constantemente, e o que está fora reflete o que está dentro e acompanha esses movimentos de forma contínua, como uma espiral que retroalimenta, que vai e volta, que faz com que os passos não sejam lineares e ascendentes, mas que eles tenham idas e vindas, quantas forem necessárias até que outro degrau, ou será nível de consciência, se estabeleça.

               E nesse lindo processo de posicionar a vida pessoal e profissional que vamos nos moldando, nos ajustando, nos construindo e desconstruindo todos os dias. Alguns em processos lentos, quase como no ritmo da natureza, com pequenas melhorias contínuas, um pouco por dia e outras tantas vezes de forma disruptiva, como um processo químico, que entra em combustão e muda a característica daquele material. E não tem certo ou errado, mais um ou mais o outro. Talvez a gente só perceba aqueles que doem, que parecem inverter a lógica, que chocam. Mas na verdade eles só existem porque muitos outros foram acontecendo, acumulando, como um near miss, um quase acidente que veio depois de tantos outros pequenos incidentes que acontecem todos os dias dentro de nós, até que um grande seja colocado para fora para realmente ser compreendido.

               E para quem vive de experiências, que não só facilita, mas se entrega junto nas transformações que só as vivências, que são processos de experimentação, de troca, de ressignificação que só o outro, como espelho, me ajuda a ter, vivenciar comigo mesma foi realmente um baita desafio. Mas, quando percebi que as sombras que refletiam lá dentro da Caverna do Platão eram na verdade as minhas e o que eu podia fazer de melhor era olhar para elas, como eu olho para aquelas que estão lá fora, o mundo se abriu. Elas deixaram de ser tão assustadoras e passaram a fazer parte de uma nova história. Que benção poder parar o mundo e colocar frente a frente tudo aquilo que não queríamos ver de jeito nenhum. Quantos aprendizados sobre nós mesmos, nossas emoções, quem somos nós na fila do pão que surgiram. E quantas possibilidades de viver para ver, ser e sentir de novas formas, para novos encontros e descobertas, primeiro comigo mesma, e depois com mais amor com o outro.

Paula Foroni tem pesquisado e reaprendido todos os dias com líderes, times e organizações. Facilitadora em projetos de transformação organizacional. Eterna aluna, hoje está sentada na cadeira do doutorado em Gestão de Pessoas pela Universidade de São Paulo para fazer muitas perguntas e, quem sabe, descobrir novos caminhos. 😊